No cemitério São João Batista, em Itapetininga, o túmulo da pequena Maria Helena, cercado por chupetas e cadernos, é um dos locais de maior devoção. Ali, muitos acreditam que a menina realiza milagres, e o espaço é repleto de orações e agradecimentos deixados pelos visitantes. Esse cenário intrigante se repete em todos cemitérios do Brasil e no cemitério de São Paulo surgiu o livro “Milagreiros de Cemitério”, escrito por Thiago Souza, que explora o cemitério dos túmulos milagrosos e suas histórias carregadas de fé popular.
O livro compila uma série de relatos de “milagreiros de cemitério”, personagens cujos túmulos são reverenciados por pessoas que acreditam em seu poder de intercessão. “A inspiração surgiu de uma necessidade prática”, explica Thiago Souza, roteirista e idealizador do projeto “O que te assombra?”, que estuda as manifestações espirituais e culturais nos cemitérios de São Paulo. “Percebi que um edital de concessão limitava a proteção a apenas 12 túmulos em São Paulo, mas existiam muitos outros considerados milagrosos. Foi aí que senti a importância de reunir essas histórias e pedir sua inclusão no rol de túmulos protegidos”, contou o autor, que assina a carta com outros pesquisadores.
O processo de pesquisa foi intenso e emocionante, conforme roteirista descreveu: “Passei mais de um ano visitando cemitérios, ouvindo histórias de devotos e mergulhando no universo dessas manifestações de fé. O que me interessa é menos a biografia concreta e mais a devoção que nasce e se fortalece com cada milagre”. Em suas idas e boas-vindas, ele conheceu pessoas que buscavam conforto, cura e esperança, como os devotos de Bento do Portão, um morador de rua que ajudou e rezava por outros antes de falecer “A devoção é tão viva que a presença de Bento ainda parece estar ali”, disse Souza.
Para o autor, esses milagres representam um tipo de espiritualidade que transcende as fronteiras religiosas. “É uma manifestação cultural que conecta as pessoas de forma quase única, pois muitas veem em algo que para outros é apenas um túmulo”, explicou. Ele gravou, por exemplo, um momento singular ao visitar o cemitério da Lapa: “Estava filmando o túmulo das Três Marias e, de repente, senti uma brisa carregada de um forte cheiro de vela e incenso, embora não houvesse vento naquele dia. Esse tipo de característica só reforça o respeito e a reverência que esses locais despertam”.
Ao ser questionado sobre o impacto de seu trabalho, Thiago reflete que o projeto se tornou uma forma de resgatar histórias e memórias de pessoas esquecidas. “Nosso objetivo não é criar um canal sensacionalista, mas reunir e compartilhar essas experiências, que vão desde a fé até o reencontro com raízes familiares”, diz o autor, que considera as histórias dos milagreiros de cemitério um elo entre o presente e as tradições de gerações passadas.
O livro “Milagreiros de Cemitério” se propõe a ser mais do que uma coletânea de histórias; ele oferece um espaço de reflexão sobre a espiritualidade popular e a relação entre vida e morte, fé e milagre. “É uma leitura para quem está disposto a se conectar com o mistério, com a cultura e com o passado de nossa gente”, finaliza Souza. A obra já está disponível e promete provocar uma discussão sobre o papel da fé nos cemitérios, unindo aqueles que acreditam em milagres com aqueles que buscam entender esse específico.