Por: Lais Gomes
Nos últimos anos, o cenário político mundial tem sido profundamente marcado pelo fenômeno da “mentira programada”. Essa prática não se resume a boatos ou desinformação esporádica, mas envolve uma estratégia deliberada e minuciosa para construir e disseminar narrativas falsas ou distorcidas, destinadas a manipular o comportamento e a percepção das massas. A mentira programada é cuidadosamente calculada, sendo utilizada como uma arma de guerra política, capaz de influenciar o debate público, desestabilizar adversários, polarizar a sociedade e até manipular eleições. Em um mundo onde as redes sociais amplificam rapidamente qualquer informação, verdadeira ou falsa, o poder dessa estratégia tornou-se potencialmente devastador para a democracia.
O uso da mentira como ferramenta política não é algo novo; líderes ao longo da história usaram desinformação para consolidar poder, mas a diferença agora está na velocidade, na amplitude e na intencionalidade com que essas informações circulam. Com o avanço da tecnologia, a mentira programada ganhou uma nova face e uma eficiência que torna difícil para a população discernir o que é realidade e o que é manipulação. Políticos e seus aliados criam e espalham informações que se encaixam perfeitamente no contexto e nos medos da sociedade, alimentando crenças preexistentes ou explorando vulnerabilidades psicológicas coletivas. Assim, a mentira deixa de ser um simples erro e passa a ser uma ferramenta sofisticada, planejada para incitar emoções intensas e guiar o comportamento das pessoas de forma quase imperceptível.
As redes sociais e os algoritmos que controlam a exposição de conteúdos funcionam como catalisadores dessa prática. As mentiras programadas muitas vezes são fabricadas para gerar alto engajamento, já que afirmações chocantes, polarizadoras ou ameaçadoras tendem a prender a atenção e provocar reações, especialmente em um ambiente onde as interações rápidas, o compartilhamento e os “likes” representam o novo termômetro da popularidade. Com o alcance oferecido pelas redes, uma mentira pode viralizar e se consolidar na opinião pública em questão de horas. Esse fenômeno permite que narrativas mentirosas alcancem milhões de pessoas antes que qualquer verificação ou desmentido possa ser efetivamente publicado, e muitas vezes o dano já está feito mesmo que as informações falsas sejam posteriormente corrigidas.
A prática da mentira programada não apenas distorce fatos, mas também divide e enfraquece a sociedade. Ao criar narrativas polarizadoras e falsas, políticos conseguem alimentar divisões entre grupos sociais, ideológicos e econômicos, consolidando o sentimento de “nós contra eles”. Isso é feito intencionalmente, uma vez que a polarização extrema tende a fortalecer a lealdade dos seguidores, que passam a enxergar os adversários políticos como inimigos e a confiar cegamente nas narrativas disseminadas pelo seu líder. Essa situação cria uma barreira psicológica à análise crítica, dificultando o acesso das pessoas a informações contrárias e promovendo uma espécie de “cegueira ideológica”, na qual a verdade deixa de ser importante e a fidelidade ao grupo ou ao líder se torna o principal critério de aceitação das informações.
Além disso, a mentira programada é frequentemente usada como uma estratégia de defesa contra denúncias e críticas. Sempre que um político ou líder é confrontado com escândalos, investigações ou informações que podem prejudicar sua reputação, é possível que ele recorra à mentira programada para desacreditar seus críticos e criar uma “realidade alternativa”, na qual todas as acusações são rebatidas com desconfiança e negacionismo. Essa prática visa criar confusão, enfraquecendo as instituições que têm a função de verificar fatos e combater abusos, como a imprensa e o sistema judiciário, que passam a ser vistos como parte de um complô imaginário. Assim, a mentira programada não é apenas uma questão de desinformação, mas uma arma poderosa contra a própria estrutura que sustenta a democracia.
Os danos causados pela mentira programada são de difícil reparação. Quando uma sociedade é submetida a um ciclo constante de mentiras que se confundem com a verdade, cria-se um ambiente de desconfiança, em que as pessoas não sabem mais em quem ou no que acreditar. Isso mina a própria essência da democracia, que depende de um debate público baseado na verdade e na confiança mútua entre os cidadãos e suas instituições. Em um cenário de mentiras programadas, o espaço para o diálogo e o consenso se dissolve, e a sociedade acaba dividida, enfraquecida e incapaz de tomar decisões coletivas de forma saudável e racional.
Enfrentar a mentira programada exige uma combinação de ações. Primeiramente, é necessário um esforço contínuo de educação midiática para que as pessoas sejam capazes de identificar e questionar informações suspeitas. Ensinar a população a ter um olhar crítico sobre as notícias e a verificar a veracidade de informações é um passo fundamental para enfraquecer o impacto da mentira programada. Além disso, é essencial que as plataformas de mídia social adotem políticas mais rígidas para combater a desinformação e que os algoritmos sejam repensados para reduzir o alcance de conteúdos mentirosos e divisores.
A sociedade civil e os veículos de imprensa também desempenham um papel crucial nesse combate. Cabe aos jornalistas, analistas e organizações de checagem de fatos desmascarar as mentiras programadas e apresentar a verdade ao público. Embora essa tarefa seja árdua e envolva riscos, é essencial que o trabalho de verificação seja feito de forma sistemática e transparente, para que a sociedade tenha uma base sólida de informações confiáveis. E, finalmente, a própria classe política deve ser responsabilizada pelo uso deliberado da mentira como arma. Isso requer uma legislação que imponha penalidades para quem conscientemente espalha informações falsas com o objetivo de manipular a opinião pública e influenciar o processo eleitoral.
A mentira programada como arma política é um dos maiores desafios da era digital e representa uma ameaça real à democracia e à coesão social. Sua capacidade de dividir e desinformar exige uma resposta vigorosa e coordenada de todos os setores da sociedade. Em última análise, a preservação da verdade é essencial para que a democracia funcione, e cabe a cada um de nós, cidadãos, governos, mídia e plataformas tecnológicas, proteger esse valor, para que o debate público seja novamente baseado na confiança e na responsabilidade.