Por: Aldiéres Silva
Na madrugada do da 27/01/2013 um incêndio destruito a boate kiss na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Muitas vidas foram ceifadas. Até o momento os responsáveis não obtiveram a devida punição por tal negligência. Aquela situação me abalou, assim como o acidente com o avião da LAMIA que transportava a delegação da chapecoense no voo 2933 em 28 de Novembro de 2016. No caso da boate kiss eu tinha acabado de chegar em casa vindo de uma festa voltada aos anos 80 na região de Pinheiros em São Paulo e quando vi aquelas cenas na televisão foi desolador. No caso do acidente aéreo na Colômbia eu tinha viagem programada de São Paulo a Itapetininga na tarde dessa data porém acabei adiando para o dia 30 de Novembro devido a esse fato.
Como todos nós já sabemos o uso pirotécnico de uma banda que se apresentava no local provocou o início do incêncio, aliado a superlotação do espaço e a ausência de saídas de emerências para uma rota de fuga necessária em situações como essas. Com o fato muitas prefeituras intensificaram e burocratizaram o processo de aquisição de alvarás de funcionamento com essa finalidade e que em alguns casos há corrupções por parte de agentes de serviço externo.
O caso ganhou repercussão internacional: veículos internacionais como CNN, BBC, Al Jazeera, El País, Le Monde, Corriere della Sera, The New York Times, Clarín, dentre outros, destacaram notas em suas manchetes principais. A rede de televisão CNN relatou o incidente afirmando que o mundo não aprendeu com os erros do passado. O jornal argentino Clarín comparou o incidente à tragédia com características semelhantes ocorrida em Buenos Aires, em 2004, quando uma discoteca pegou fogo, matando 194 pessoas e deixando centenas de feridos. O espanhol El País identificou a tragédia como uma das piores do país.
Gerou também grande comoção pública não só no Rio Grande do Sul, mas também nos outros estados brasileiros. Diversos países, bem como celebridades e autoridades religiosas do Brasil e do mundo, enviaram mensagens de solidariedade. A cobertura da tragédia alterou a programação das principais emissoras de televisão do Brasil e aumentou em 15% a audiência das grandes redes abertas na região metropolitana de São Paulo. A Universidade Federal de Santa Maria, onde estudavam muitas das vítimas, suspendeu todas as suas atividades acadêmicas. Houveram movimentos que defenderam na época uma revisão na legislação.
Especialistas passaram a defender uma legislação única para prevenir eventos semelhantes. Naquele momento, o poder executivo municipal fiscalizava os aspectos gerais do projeto arquitetônico e os bombeiros vistoriavam o plano de combate a incêndios. O acidente da boate denunciou a fragilidade desse sistema, tendo em vista que a legislação municipal, mais flexível, foi utilizada no lugar da legislação estadual contra incêndios, que exigia, por exemplo, a existência de duas portas em boates. Uma consequência constrangedora foi o jogo de empurra-empurra entre as autoridades após o incêndio, cada qual tentando transferir a responsabilidade umas às outras. Um mês depois da tragédia, cerca de quinhentas boates e casas de shows haviam sido interditadas até regularizarem sua situação em todo o país.
O governador de São Paulo na época, determinou uma vistoria maciça das boates do estado. Das 303 casas visitadas até 31 de janeiro, 111 não tinham alvarás de incêndio e 66 tinham alvarás válidos mas irregulares; o que ensejou um prazo de dez dias para regularização sob pena de cassação do alvará. A fiscalização atingiu boates com mais de mil metros quadrados e deveria ser estendida a salas de cinema, teatros e salões de clubes. Além disso, o prefeito da cidade de São Paulo no período assinou um acordo com os bombeiros para fiscalização conjunta na capital e determinou a criação de uma legislação municipal mais rígida por meio da formação de uma comissão especializada.
O incêndio também iniciou uma discussão sobre o uso de comandas, isso é, a forma de pagamento em que o cliente da boate acerta as contas somente quando vai sair. Um projeto de lei municipal foi proposto em Porto Alegre para criar novas formas de pagamento: pagamento no momento do consumo; venda de fichas que seriam trocadas pelo produto no transcorrer da festa; e utilização de um cartão pré-pago para o consumo, mas especialistas disseram que a solução mais viável seria modificar o Código de Defesa do Consumidor, de modo a estabelecer o pagamento imediato no momento da entrega dos produtos. Isso evitaria que as portas fossem trancadas para evitar a saída dos clientes. Em Itapetininga por exemplo os estabelecimentos que já frequentei adotam a compra de fichas para consumo ou pagamento imediato. Quando estive na Argentina em 2014 também notei isso, provavelmente uma readequação após o incêndio que atingiu uma boate de Buenos Aires em 2004, como mencionado aqui. Já em São Paulo a utilização de comandas com o pagamento do consumo ao final do evento ou saída do mesmo ainda continua sendo praticada por bares, restaurantes, casas de shows e casas noturnas em geral.
Finalizo a minha coluna essa semana com a reflexão: Temos o direito de nos divertir porém prezando sempre pela segurança. Uma marca triste foi deixada e precisa ser lembrada para que situações semelhantes não ocorram. Também temos que observar a indústria dos alvarás que existem para a manutenção de corrupção e irregularidades… Sejamos coerentes. A simultaneidade entre causa e efeito é impiedosa.