O aumento alarmante de casos de ansiedade entre crianças e adolescentes tem sido uma das principais preocupações nos últimos anos. Entre 2014 e 2024, o atendimento a crianças de 10 a 14 anos no Sistema Único de Saúde (SUS) aumentou quase 2.500% e, entre os jovens de 15 a 19 anos, o índice é ainda mais expressivo, alcançando 3.300%. Esse crescimento é um reflexo de uma série de fatores, incluindo o impacto da pandemia de covid-19 e o crescente uso de dispositivos eletrônicos.
A professora Leila Tardivo, do Instituto de Psicologia da USP, abordou os múltiplos aspectos dessa realidade preocupante. Para a especialista, embora a pandemia tenha sido um agravante significativo, os problemas relacionados à saúde mental dos jovens já estavam em ascensão antes do isolamento social. A professora explica que a pandemia, além de gerar um estado de incerteza global, provocou um impacto profundo na rotina de crianças e adolescentes, com o fechamento de escolas, a sobrecarga emocional e a exposição constante a telas.
Em sua análise, a professora Tardivo destaca que, entre os fatores mais evidentes, está a exposição prolongada a dispositivos eletrônicos. Embora a tecnologia traga benefícios, o uso excessivo de celulares, redes sociais e conteúdos curtos e de altos estímulos tem sido associado ao aumento da ansiedade entre os jovens, criando um ciclo de distanciamento social e isolamento emocional. “A internet pode criar uma falsa sensação de pertencimento, ao mesmo tempo em que acentua o vazio emocional”, afirma a especialista.
No entanto, a pandemia e os dispositivos eletrônicos não devem ser vistos como as únicas causas desse crescimento. A especialista alerta que questões como a pressão acadêmica, dificuldades familiares, o aumento da violência doméstica e a instabilidade econômica têm sido fatores que contribuem para o agravamento da saúde mental dos jovens. “A vida virou de cabeça para baixo, e a realidade das crianças mudou drasticamente”, diz. “A própria rotina escolar, antes repleta de interações sociais, foi substituída por aulas on-line, o que dificultou ainda mais a sociabilidade.”
Iniciativas de prevenção
A preocupação com a saúde mental dos jovens tem gerado mobilização no meio acadêmico. A docente está à frente de um importante projeto de prevenção e estudo do suicídio e da autolesão nas escolas de São Paulo. O projeto, que conta com a participação de cerca de 2 mil adolescentes, visa a criar um espaço seguro para ouvir e entender as necessidades emocionais dos jovens.
Além da escuta ativa, o projeto também busca envolver os próprios adolescentes na criação de materiais educativos, como cartilhas e vídeos, abordando temas como a ansiedade, a depressão e a autolesão. “Nada sobre a gente sem a gente” é o lema da iniciativa, que acredita ser fundamental para que os jovens sejam protagonistas no processo de conscientização.
“É um esforço coletivo”, afirma a professora Tardivo, ressaltando que a colaboração entre escolas, famílias e profissionais de saúde mental é essencial para que as ações de prevenção sejam eficazes. O projeto também propõe discutir os sinais de alerta de problemas emocionais, como a falta de motivação, mudanças bruscas de comportamento, autolesões e agressividade.
Papel da família
Outro ponto destacado na entrevista é a importância da comunicação entre pais e filhos. Muitas vezes, os pais não conseguem perceber os sinais de sofrimento emocional em seus filhos, devido à falta de diálogo ou à dificuldade de entender o comportamento dos jovens. A especialista ressalta que a chave para ajudar os adolescentes está, muitas vezes, em ouvir o que eles têm a dizer, e alertou para a necessidade de um suporte psicológico mais acessível e eficaz.
As escolas também têm um papel fundamental nesse processo. Elas devem ser um espaço onde os jovens se sintam acolhidos e compreendidos. Em colaboração com instituições de ensino, o projeto de prevenção ao suicídio e autolesão pretende promover uma série de ações para sensibilizar tanto estudantes quanto educadores sobre a importância de identificar e tratar questões relacionadas à saúde mental.
Tardivo destaca que esse não é um problema exclusivo do Brasil. “É um problema mundial”, diz, apontando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem dado prioridade à saúde mental na pós-pandemia. A especialista explica que, além das consequências imediatas da crise sanitária, o impacto duradouro em termos de saúde mental será uma das principais questões a serem enfrentadas nas próximas décadas. “Não é apenas um problema geracional, é um problema coletivo”, afirma. Por isso, ela defende que as soluções devem ser igualmente coletivas, envolvendo todos os setores da sociedade – desde as famílias até as políticas públicas de saúde e educação.
O Apoiar USP e O Projeto de Conscientização
Para dar suporte a essa demanda, o projeto Apoiar USP tem sido uma referência no atendimento psicológico para estudantes. Desde o início da pandemia, o projeto já realizou mais de 6 mil atendimentos, sendo grande parte para adolescentes e jovens universitários.
A professora também enfatiza a importância de um trabalho conjunto com escolas e outras instituições, no sentido de implementar programas de conscientização e prevenção desde as idades mais precoces. “O diálogo com os jovens é essencial. Eles precisam ser ouvidos, e precisamos ouvir o que eles têm a nos dizer sobre suas realidades”, conclui. Na visão da professora, a saúde mental dos jovens precisa ser uma prioridade na agenda educacional e social. Ações como o Apoiar USP são apenas um exemplo de como iniciativas de prevenção e apoio podem ajudar a transformar essa realidade.
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