Por: Gabriel Montenegro, professor e psicólogo
A chegada de um novo ano é marcada por rituais que simbolizam renovação e recomeço. É um momento em que nos preparamos para uma nova etapa, celebrando com roupas brancas, simbolizando pureza e abertura às possibilidades. Esse branco remonta à antiguidade, como no Senado romano, no noivado e até em culturas que o utilizam para simbolizar luto, representando a passagem para uma nova condição. O rito de passagem é justamente isso: uma marca de que algo se encerra e outra fase se inicia. No entanto, apesar da simbólica virada, é importante lembrar que nem tudo será novo. O trabalho continuará sendo o mesmo. O casamento permanece, os pais continuam sendo os mesmos, os filhos também. A vida não se transforma magicamente à meia-noite; ela é feita de continuidade, de momentos que se entrelaçam e exigem esforço constante para construir mudanças reais. A virada de ano nos convida a refletir sobre o futuro, mas com cautela. Muitas vezes, olhamos para o que já passou como um modelo imutável, presos a uma âncora em vez de nos nutrirmos por raízes que sustentam e impulsionam. Há quem viva olhando para o retrovisor da vida, insistindo em repetir padrões ou idealizando tempos passados. Contudo, o retrovisor é uma referência, não a direção. Ele deve ser menor que o para-brisa, que nos permite enxergar adiante, abraçando o novo com coragem e clareza.
Nesse caminho, o perdão torna-se essencial. Para avançarmos em paz, é preciso soltar as âncoras do rancor e das mágoas que nos prendem ao passado. Perdoar não significa esquecer, mas permitir que o peso do que já foi seja transformado em aprendizado e força para seguir adiante. O perdão liberta e amplia nosso campo de visão, permitindo que o futuro seja construído sem os grilhões emocionais que nos paralisam inclusive de continuar aquilo que outrora fora maravilhoso.
Planejar o futuro exige equilíbrio: precisamos valorizar o que já vivemos, aprendendo com as experiências, mas sem deixar que o passado nos imobilize. O ano novo é uma oportunidade de mudar atitudes, reorganizar prioridades, e adotar novos hábitos, mas é também um lembrete de que a continuidade do ciclos antigos pode ser natural e necessária. A renovação não está apenas no que muda, mas no que permanece e se transforma aos poucos com nosso empenho diário. A virada de ano é apenas o começo de uma jornada que exige constância, paciência e dedicação para ser significativa. Que possamos, então, atravessar esse novo ciclo com a esperança de que pode e será melhor, sem perder de vista que o novo ano será construído com os mesmos pilares que já sustentam nossa vida. Afinal, boa passagem é aquela em que seguimos, com coragem, a viver e a construir.